O Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (CAUUFPR) foi constituÃdo em 1962/63 num momento singular da história do paÃs. Quando a moderna arquitetura brasileira adquiriu maturidade e reconhecimento mundial, entre outras obras pela construção de BrasÃlia. Foi também quando o governo federal, respondendo à sociedade civil organizada, ampliou a rede pública de ensino superior criando centros de formação em arquitetura nas principais regiões em desenvolvimento do paÃs.
No contexto histórico de origem dessa escola encontra· se o desabrochar econômico e social do Estado do Paraná e de sua capital Curitiba. O surto desenvolvimentista que varreu os planaltos paranaenses ao longo da segunda metade do século XX gerou o ambiente propÃcio para a difusão e experimentação de idéias modernizadoras. Entre essas duas se confundem no tempo e no espaço · a adoção de novas linguagens para estruturação fÃsica e espacial da sociedade e a tentativa de planificação do processo de desenvolvimento.
E o CAUUFPR desempenhou papel decisivo para que ambas florescessem, credenciando· se como o primeiro vÃnculo orgânico do Paraná com o movimento internacional de arquitetura. Através do ensino, os professores pioneiros moldaram gerações de estudantes, iniciando· os nas diversas tendências arquitetônicas. Aos poucos os arquitetos foram estabelecendo novas bases e padrões de desenho para os espaços, edifÃcios e o ambiente em transformação.
Até 1962 havia menos arquitetos que os dedos de uma mão trabalhando no Paraná . Antes disso eram desenhistas e engenheiros que projetavam os edifÃcios e as cidades. Raramente e quando possÃvel contratavam· se profissionais de outros estados e paÃses · como foram os casos do engenheiro Prestes Maia ou do arquiteto francês Alfredo Agache. Foi também essa a origem de alguns edifÃcios projetados por Vilanova Artigas em Londrina e Curitiba. Ou ainda, das obras comemorativas ao centenário de emancipação polÃtica do Paraná, destacando· se o projeto do Centro CÃvico de Curitiba coordenado por David Xavier Azambuja. Tanto Artigas quanto Azambuja eram curitibanos que migraram para estudar arquitetura em São Paulo e Rio de Janeiro e, por lá ficaram.
Ao inovador programa de ensino de Lúcio Costa para a Escola Nacional de Belas· Artes no Rio de Janeiro em 1930/31, seguiram· se inúmeras ações no plano institucional, educacional e cultural que prepararam o solo para a expansão do número de escolas de arquitetura no Brasil. Aos poucos foram delineando· se os contornos das atribuições legais da profissão, assim como foram desenhados os primeiros currÃculos e perfis profissionais a partir de debates de caráter e abrangência nacional. Em decorrência disso gerou· se a bandeira pela autonomia da formação do arquiteto em relação à s antigas escolas de engenharia e belas· artes. Situação que de forma nenhuma ocorreu de maneira ‘automática ou pura’. Ao contrário, a criação dos novos cursos e escolas adaptou· se à s condições objetivas e subjetivas de cada local. Principalmente naquelas regiões distantes dos centros de formação tradicionais.
Como o Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR, criado em 1962 a partir de gestões iniciadas por uma comissão especial de professores da Escola de Engenharia do Paraná. Enquanto polÃtica oficial tal decisão integra as estratégias dirigidas à formação de uma elite dirigente local com vistas à modernização da sociedade paranaense. E os arquitetos foram profissionais a quem se atribui um papel na organização do território e da sociedade através da elaboração de planos e projetos expressivos do desejo de progresso e modernidade.
Para o funcionamento da escola de arquitetura local foi necessário migrarem arquitetos de diferentes regiões e tradições acadêmicas. Parte significativa dos professores e arquitetos pioneiros vieram de São Paulo e do Rio de Janeiro. Porém, contribuÃram também nessa transfusão profissionais vindos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além daqueles recrutados na própria região. Com o funcionamento regular da escola o Paraná tornou· se um centro difusor de tecnologia nessa área. Pode· se afirmar que a história da moderna arquitetura paranaense deve suas origens à criação do CAUUFPR.
Nas quatro décadas de funcionamento o CAUUFPR viveu a formação e a aposentadoria de um quadro docente. E hoje transita para a capacitação de uma segunda geração de jovens professores. Durante esses anos passaram por suas salas de aula 39 turmas, resultando na formação de cerca de 1500 arquitetos e urbanistas. Podemos dividir essa história em quatro fases:
1. A fase germinal, compreendendo as ações empreendidas para a criação do curso, antes mesmo de iniciar as aulas em 1962 e estendendo· se até formação da 1a turma de engenheiros· arquitetos em 1965;
2. A fase de estruturação, caracterizada pela organização dos Departamentos de Composição e de Teoria e História da Arquitetura em 1965 e culminando com a fusão dos dois primeiros para constituir o Departamento de Arquitetura em 1971, enquadrando o curso nas diretrizes da Reforma Universitária de 1969;
3. A fase de amadurecimento, atravessando as décadas de 70/80 até meados dos anos 90, quando mais da metade do corpo docente original já se afastara das salas de aula, a maioria por motivos de aposentadoria;
4. A fase de reformulação, que teve inÃcio em 1994 no bojo dos processos de restruturação do atual currÃculo e recomposição do corpo docente da escola.
A fase germinal
A Escola de Engenharia da UFPR constituiu uma comissão especial de professores com os engenheiros Rubens Meister, Ralph Leitner e Samuel Chamecki. A comissão chegou inclusive a encomendar a Lúcio Costa uma proposta de currÃculo. Assessorados por dois jovens professores de Belo Horizonte, os arquitetos José Marcos Loureiro Prado e Armando Strambi, formulou· se a estrutura e organização curricular do novo curso aos moldes do que se praticava no PaÃs. Realizado o concurso de ingresso, facultou· se também o acesso ao curso para estudantes e profissionais de engenharia. As aulas iniciaram em 1963 com os 20 estudantes que compunham a primeira turma.
O corpo docente pioneiro foi constituÃdo a partir da transfusão de duas linhas básicas de ensino e projeto: a carioca e a paulista, através da migração desses profissionais para Curitiba. Nos próximos anos outros arquitetos, dessas e de outras origens agregaram· se ao curso.
A fase de estruturação
Em 14.04.65 a Escola de Engenharia do Paraná formalmente constituiu os Departamentos de Composição e de Teoria e História da Arquitetura, contratando arquitetos para cumprir as funções docentes e administrativas referentes a essas áreas. As disciplinas técnicas eram responsabilidade do Departamento de Técnicas Construtivas já existente no Curso de Engenharia. O curso de arquitetura era subordinado à direção da Escola de Engenharia. Outros departamentos da UFPR colaboravam para ministrar as disciplinas de áreas complementares à formação do arquiteto, tais como: desenho, topografia, sociologia, economia, estatÃstica, etc.
A fase de amadurecimento
A reforma universitária de 1969 definiu a criação do Setor de Tecnologia da UFPR e a antiga Escola de Engenharia transformou· se em Curso de Engenharia, com várias especialidades organizadas em departamentos. O Curso de Arquitetura e Urbanismo ficou subordinado à direção do Setor de Tecnologia, que congregava outras carreiras como: FÃsica, Geologia, QuÃmica, etc. Em 22.03.72 foi criado o Colegiado do Curso de Arquitetura e Urbanismo para administrar o conjunto de disciplinas ministradas pelos demais departamentos no currÃculo do CAUUFPR. Somente em 05.10.73 foi criado o Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DARQ) a partir da fusão dos Departamentos de Composição e Teoria e História.
Os anos 70 e 80 foram de intensa atividade projetual para os arquitetos paranaenses. O curso e a profissão ganharam visibilidade e importância através da bem sucedida participação desses profissionais (professores, alunos e ex· alunos do curso) em diferentes áreas de atuação. A legitimação social referida pode ser atribuÃda entre outros fatores, aos que seguem abaixo:
· À ampliação do mercado de trabalho, com o conseqüente aumento das encomendas por projetos e a efetiva resposta dos profissionais;
· Às diversas premiações obtidas pelos arquitetos e professores do curso em concursos de arquitetura desde os anos 60 até o final dos 70;
· À bem sucedida administração municipal do arquiteto Jaime Lerner na prefeitura de Curitiba e a institucionalização do processo de planejamento urbano nessa cidade;
· Às transformações na paisagem das cidades paranaenses oriundas de projetos e planos urbanÃsticos capitaneados por equipes de arquitetos.
Em grande parte esses arquitetos fizeram escola no CAUUFPR, cuja sistemática ação na educação e formação de jovens arquitetos e urbanistas abriu novo capÃtulo na história da moderna arquitetura paranaense.
A fase de reformulação
As polÃticas de reestruturação capitalista fomentaram e amplificaram o sentimento de crise global de valores e projetos de vida na década de 80. Em resposta, seguiu· se um conjunto de debates e ações que permearam todos os campos e rincões da atividade humana. A incompleta redemocratização da sociedade brasileira revelou a face inacabada da nossa cidadania. Crises ambientais e sociais avolumaram· se nas agendas polÃticas e sociais. A arquitetura não escapou a essa reviravolta, com os profissionais e estudantes mobilizando· se na tentativa de recuperar os anos perdidos através de suas entidades e fóruns representativos.
Os ventos reformistas atingiram o CAUUFPR impulsionando a retomada dos debates sobre arquitetura e a qualidade do ensino. Discussão que se drenava internamente pelos próprios professores desde 1982 (quando se fez uma avaliação geral dos 20 anos do curso). À conjuntura aberta pelo afastamento da maior parte dos quadros pioneiros do curso somou· se a portaria Nº 1770/94 do MEC, estabelecendo o novo currÃculo mÃnimo para a área de Arquitetura e Urbanismo. Estavam criadas as condições para que uma comissão de professores e estudantes, reunindo· se entre 1994 e 1995, apresentasse uma proposta de restruturação curricular. Uma vez aprovado o novo currÃculo, iniciou· se a sua implantação no ano letivo de 1996.
Entre as mudanças propostas o redesenho do tronco principal de ensino de projeto a partir de diretrizes que redefiniram a estratégia pedagógica do curso, que em sÃntese referiram· se à :
· Potencializar o que se reconheceu como uma herança ou marca caracterÃstica dessa escola, cuja ênfase do ensino voltava· se para a qualidade da atividade prática de projeto;
· Tornar sistemática a vinculação da escola com a cidade de Curitiba e o seu entorno;
· Afirmar o ateliê de projeto como a espinha dorsal do processo de formação do arquiteto, estruturando o currÃculo do curso através do conjunto de atividades de prática de projeto reorganizadas a partir do conceito de projeto integrado de arquitetura, paisagismo e urbanismo;
· Fomentar uma polÃtica de qualificação dos professores em sintonia com a discussão de linhas de pesquisa, objetivando a estruturação e oferta de cursos em nÃvel de pós· graduação;
· Organizar a participação de outros Departamentos, visto como necessário para a garantia do caráter universitário da formação acadêmica, na forma de disciplinas integradas. Inclusive para que seus programas admitissem uma modulação na distribuição do conteúdo e com isso cronogramas de ensino mais convenientes.
As diferentes posturas e suas variantes descritas anteriormente refletem tanto o embate ideológico como o estágio de constituição de campos de conhecimento e saber profissional. E, portanto, tais posicionamentos podem ser identificados nos conteúdos e estratégias de ensino e aprendizagem que estruturaram os diversos currÃculos escolares. Que no caso da escola de arquitetura em Curitiba relaciona· se à s seguintes particularidades:
· O CAUUFPR foi simultâneo à s transformações arquitetônicas e urbanÃsticas vividas no processo de urbanização e metropolização da cidade, onde seus professores e alunos tiveram papel relevante no desenho do ambiente curitibano e a cidade de Curitiba foi seu laboratório;
· Os arquitetos formados nessa escola militaram simultaneamente em funções de ensino e pesquisa na universidade, de projetistas em seus escritórios e agências públicas, e na direção e gestão de organismos e polÃticas oficiais, postos de atuação decisivos para traduzir os anseios e necessidades da população em propostas de ação edificáveis;
· O conhecimento arquitetônico sobre o edifÃcio, a cidade e a paisagem identificáveis nos projetos e intervenções que transformaram o ambiente da metrópole não representam uma simples cópia ou adaptação dos paradigmas e estilos arquitetônicos em voga · eles são a cultura de referência de nossos aprendizados;
· O domÃnio do desenho é o que caracteriza a especificidade do arquiteto frente as seus pares e interlocutores na sociedade local e nacional, correspondendo à tradição e á cultura do ensino dessa matéria em nossa escola e à legitimação social desse campo de atuação profissional.
Prof. Paulo Chiesa